¤ Relato do nascimento de João filho de Mariana e Edu

Já fazem 3 meses que meu pequeno João nasceu. E ainda hoje me pego várias vezes recontando o parto na minha cabeça, como se estivesse contando para alguém. Acho que ainda não consegui digerir muito bem tudo que aconteceu para que meu Joãozinho viesse ao mundo. Foi tudo muito forte, intenso e difícil...

Penso que talvez eu esteja com medo de me esquecer de todos os detalhes, afinal, foi uma das coisas mais importantes que já me aconteceu. Ou talvez ainda precise aceitar a forma como as coisas se desenrolaram... Pensei que talvez escrever tudo me faça sentir melhor.

A minha gravidez foi muito tranqüila! Não tive enjôos, desejos, inchaços... Apenas algumas coliquinhas, que me acompanharam desde o primeiro mês e uns dois sangramentos bem pequenos - mas suficientes pra me assustar bastante – e que não deram em nada.

Foi um momento muito bom da minha vida, e, passado o susto de uma gravidez não planejada, sentia que tudo mudaria pra melhor, passei a me cuidar mais – e a ser cuidada também! O Edu, meu marido, no início acordava cedo, antes de eu sair pro trabalho, pra me dar a primeira dose de ácido fólico do dia na forma de suco de couve. Cheguei a enjoar de comer shimeji, de tanto que ele me fez comer isso! Comecei a fazer ioga com a Fabi, hidroginástica, encontros semanais com a Lucía e continuei a acupuntura. Hoje sinto falta desse tempo que tinha pra mim...

A ioga e os encontros que tínhamos (eu e o Edu) com a Lucía eram momentos que tinha para me concentrar na respiração e na pessoinha que se formava dentro de mim. Quando comecei com a Lucía, tinha lido um relato de parto que contava de dores de contração tão insuportáveis que a pessoa teve que tomar anestesia – depois disso passei a ficar com muito medo da dor, medo de não aguentar e precisar de anestesia! Tinha muito medo de não suportar as dores, e a Lucía trabalhou bastante isso comigo, em como aprender a lidar com a dor só pela respiração. Essa preparação para o parto foi muito importante pra mim, fui ficando mais tranqüila e sabia que estava preparada para o parto normal.

Antes de completar 3 meses só havia contado da gravidez para nossos pais e amigos mais próximos, sabia de casos de pessoas que haviam perdido o bebê, e tinha muito medo que isso acontecesse comigo. Mas tudo correu bem, e chegamos às 38 semanas muito bem!

Aí começou a ansiedade, já podia nascer a qualquer momento! Preparamos tudo, pois pretendíamos fazer o parto em casa, com a obstetra que nos acompanhou desde o primeiro mês de gravidez, a Betina. Tinha um pouco de medo que ela não chegasse a tempo, pois ela não mora em Campinas, mas o fato de ter a Lucía por perto me tranqüilizava.

E passou uma semana, duas, várias luas, e nada desse bebê, ainda sem nome, querer nascer! Passei a fazer caminhadas diárias, mocha, acupuntura “naqueles” pontos estratégicos, e nada! Mais semanas, mais luas, dançamos forró, samba, exercícios na bola, e nada! Após as 40 semanas meus pés e mãos começaram a inchar e eu dormia muito mal a noite, com dores de estômago e uma tosse terrível que me acompanhou até o fim da gestação. Nesse período comecei um acompanhamento mais cuidadoso, com exames de cardiotoco a cada dois dias pra monitorar o coraçãozinho do bebê e ultrassons semanais. Até que perto de completar 42 semanas os exames não estavam tão bons... Tudo ia bem, placenta, liquido aminiótico, mas o coração dele estava ficando estável demais, não reagindo tanto aos estímulos. Com 42 semanas fomos pra São Paulo consultar com a Betina.

Fomos ao hospital Santa Catarina, pois ela estava lá há mais de um dia induzindo um parto. Ela refez o exame, e realmente não estava tão bom... Como eu só sentia pequenas cólicas, ela disse que provavelmente o trabalho de parto não iniciaria sozinho tão cedo, e que talvez fosse arriscado esperar mais. Ela sugeriu que eu ficasse lá para induzir.

Fiquei triste... Não queria induzir, não queria hospital, queria a minha casa! Mas aceitamos que era o melhor a se fazer. Mas uma notícia foi boa, finalmente ele estava encaixadinho, com a cabecinha “lá em baixo”! Coisa que não estava no dia anterior, quando fizemos um último ultrassom.

Fui pra casa da minha mãe almoçar e no fim da tarde fui internada pra começar a indução. Fui levada para um quarto da maternidade, e fiquei um tempo lá sozinha, com a tal da ocitocina na veia, esperando o Edu que ajeitava as papeladas. Olhei aquele quarto frio, aquela parafernalha na minha mão e comecei a chorar... Não era assim que tinha imaginado esse momento...

Quando o Edu chegou ficamos um tempo assistindo TV, até que, após umas 2h com o soro, começou uma contração mais forte. Ficamos felizes! Estávamos há cerca de um mês esperando por isso! Caramba, como era forte! Mas estava feliz.

Liguei pra Lucía, que pra minha alegria se prontificou a vir pra São Paulo. Eu disse que se a coisa fosse vingar eu ligaria pra ela vir! O que a Betina tinha sugerido era induzir um pouco nessa noite, parar para dormirmos, e continuar na manhã seguinte. Mas depois da primeira contração as outras começaram a vir cada vez mais próximas, e em uma hora já vinham de 3 em 3 minutos! Ligamos pra Lucia, e ela disse que viria naquele momento.

Não posso descrever a dor que sentia. Não lembro. Lembro que era muito forte, fora do meu controle, e que eu me movimentava procurando a melhor posição. Fiquei bastante tempo de joelhos, debruçada na cama. Meu joelho doía, mas sair daquela posição era impensável. A Lucía chegou e ela e o Edu começaram a pressionar meu quadril durante as contrações, o que aliviava bastante. A Betina trouxe uma bola, que passou a ser um recurso também. Também fiquei bastante tempo sentada numa cadeira debruçada na mesa, enquanto a Lucia e o Edu continuavam a pressionar meu quadril. Mal acabava a contração já vinha outra, e acho que passamos a madrugada inteira assim... Chegou um momento que não conseguia nem me concentrar mais na respiração, entrei numa espécie de transe, pois não lembro de detalhes, nem da dor, nem das horas passando. Já no outro dia, a Lucia sugeriu que eu fosse pro chuveiro. Estava completamente sem noção de tempo, o Edu disse que fiquei umas duas horas lá.

A Betina veio me examinar, e a dilatação estava em 5 cm... Depois de mais de 15h de contrações seguidas ainda estava na metade caminho... Perguntei pra da Betina se ela achava que demoraria muito e percebi que a coisa não caminharia tão rápido. Se fosse levar mais uma ou duas horas eu agüentaria, mas ela disse que isso provavelmente não ia acontecer... Eu não agüentava mais, estava muito cansada, sem conseguir comer nada, e mesmo com o alívio do chuveiro, as dores não davam um respiro... pedi uma anestesia. A Betina chamou uma anestesista que ela conhecia, e ela demorou um pouco pra chegar, e esse momento de espera acho que foi o pior. – Hoje em dia, conversando com o Edu, ele me disse que a anestesista demorou umas 5hs pra chegar! Sabia que não tinha sido rápido, mas não imaginava que tinha demorado tanto!

Depois da anestesia fiquei bem, e pude sorrir novamente! Acho que foi um momento que dei um descanso pra Lucia e pro Edu, coitados... Nem acreditava que aquela dor estava me dando uma trégua!

Fiquei caminhando pelo corredor da maternidade com a anestesista, minhas pernas estavam meio dormentes, e nas contrações sentia uma pressão muito forte “lá em baixo”. Não sei bem em que momento a anestesia começou a passar. Nem em que momento a Betina se ausentou para fazer o parto da outra moça, que estava lá induzindo há 2 dias, e no fim das contas fez cesárea... Nesse meio tempo também conheci o Cacá, pediatra, que chegara para esse outro parto.

Mudamos para o quarto em que estava essa outra moça, que era de parto humanizado, e realmente era mais agradável do que o outro que eu estava antes, tinha banheira e tudo mais! Sentia muita vontade de fazer cocô, e junto com a pressão a dor começou a ficar muito forte novamente. Lembro de ir muito ao banheiro.

Lá para umas 17h tomei outra anestesia. Nesse momento que fiquei sem dor trouxeram uma comida pra mim, que a irmã da moça do outro parto tinha mandado, uma comidinha muito boa! Comi um pouco, pois estava ha mais de 24hs sem comer. Mas o efeito da anestesia durou pouco...

Não sei quanto tempo se passou, mas acho que já era noite. A Betina sugeriu que uma outra anestesia fosse dada, pois eu estava muito tensa com a dor, o que estava dificultando a dilatação; a idéia era que a anestesia me relaxasse para a dilatação terminar de acontecer. E funcionou! Pouco tempo depois da anestesia a dilatação já estava em 10cm! Me sentia fraca, cansada, mas animada, pois parecia que agora estava no final!

Quando comecei a sentir as contrações mais fortes novamente, senti um clima de “agora vai”! A Betina pediu que eu fizesse força quando viessem as contrações. Nesse momento estava com um aparelho medindo os batimentos do bebê. Passei muito tempo fazendo força, e essa última anestesia passou rapidinho, logo voltei a sentir muita dor novamente.

Eu fiquei todo esse momento de olho fechado, me concentrando nas contrações e nas orientações da Betina e da Lucía. Quando vinha a contração unia toda a força que me restava, mas parece que não adiantava nada... Em alguns momentos o Cacá pressionava minha barriga. Estava semi deitada, de barriga pra cima, acho que por conta do aparelho que media os batimentos cardíacos do bebê, e sentia que essa posição não estava ajudando em nada... Mudei a posição, e passei um tempo de joelhos, apoiada na bola, e da-lhe força, e nada... Lembro da Lucia sugerindo alguns movimentos, mas parecia que nada adiantava...

Percebi que tinha outras pessoas, enfermeiras acho, no quarto. Depois o Edu me disse que quando a dilatação chegou aos 10cm e que parecia que iria nascer naquele momento, entraram umas pessoas do hospital no quarto, ele disse que pareciam que queriam ver um parto normal, que pelo jeito deve ser raro lá... Quando começou a demorar muito ele disse que saiu todo mundo. Ainda bem que não percebi esse movimento, estava de olhos fechados e tão concentrada... Na verdade, em um momento, percebi que de repente tudo estava mais calmo. A ansiedade que percebia em todos ao meu redor passou, e sentia um clima de cansaço generalizado. Lembro de eu apoiada na bola, no chão, sem mais forças, e de ver todos com uma cara meio de desânimo... Acho que eu não era a única cansada lá...

Pouco antes disso passei pelo pior momento, pois quando finalmente meu bebê começou a descer o batimento cardíaco dele começava a diminuir. Eu olhava pra Betina e ela estava com uma cara de preocupação que me deu um pouco de medo. Então ela enfiava a mão “lá dentro” e empurrava o bebê de volta pra dentro, aí o batimento voltava ao normal. Isso aconteceu algumas vezes, não sei se duas ou dez (segundo o Edu foram muitas vezes), estava meio “em alfa”, mas não esqueço de como isso era ruim – esse vai e volta – e da cara de preocupada da Betina... Lembro dela dizer que estava suspeitando que o bebê estava enroscado no cordão umbilical. (aliás, dito e feito. O cordão passava por debaixo do braço, por cima do ombro... Enfim, parece que estava meio enroscado no braço, e que era pressionado quando descia para um espaço mais estreito.)

Foi uma decisão muito difícil para todos, mas tive que ir para a cesárea. Senti um “ar” de desapontamento, mas eu já não agüentava mais e diante dos possíveis riscos para o bebê, todos concordamos que era o que tinha que ser feito.

Nesse momento em que fui do quarto para a sala de cirurgia, até o efeito da anestesia comecei a sentir uma contração diferente, eu não queria fazer força, pois agora não adiantava mais, mas era inevitável, alguma coisa mais forte que eu me impulsionava a fazer força. Senti que esse era o momento de fazer força, e não todo aquele tempo anterior que fiz força “forçadamente” e a toa. Se fosse para o parto ser normal, acho que era nessa hora que ele começaria a descer de fato.

Após a anestesia acho que fiquei meio boba, com o alívio da dor e de saber que enfim aquilo terminaria e finalmente veria meu bebê. Lembro da sala quase escura, e da carinha linda do meu filhinho ao nascer, de olhinho aberto, tranqüilo... E com uma cabeça enorme, deformada pelo encaixe durante o trabalho de parto. Um tempo depois a Lucía trouxe ele e o colocou junto de mim, mas eu não podia pegá-lo, pois estava com os braços presos, tive que esperar a cirurgia acabar para finalmente ir para o quarto e pegá-lo para mamar.

Apesar de tudo, saímos com a impressão de que o parto fora humanizado até esse final inesperado. A cesárea foi tranqüila, sem luzes fortes e acho que o Cacá foi mesmo a melhor pessoa para cuidar do João nos primeiros instantes de vida fora do útero. Seu primeiro banho foi no balde, enroladinho no cueiro, onde ele se tranqüilizou e até dormiu.

Nos primeiros dias pós-parto estava muito tranqüila com a forma como tudo se desenrolou, mas umas semanas depois comecei a me sentir meio mal, pois não era nada daquilo que havíamos planejado, e sentia que eu tinha decepcionado as pessoas que estiveram comigo naquele processo. Mas depois isso passou, conversar com o Edu e a Lucía foi bom...

Uns dias antes do João nascer meu pai me perguntou se eu estava preparada, e eu disse, tranqüila, que sim. Ele perguntou se eu estava preparada para caso tivesse que ser cesárea, eu pensei um pouco e disse que não, acrescentando que não seria. Sei que fiz tudo o que podia, e até mais do que imaginei que agüentaria. A vida é assim, as coisas nem sempre saem como planejamos, e acho que meu problema foi não ter me preparado para isso. Mas acho que foi importante ter passado pela experiência toda do trabalho de parto, ou melhor, quase toda, só faltou a última parte, quem sabe numa próxima vez, se a vida me levar a engravidar novamente...

Hoje já fazem quase 6 meses que o João nasceu, e vejo que foi importante para mim escrever sobre o parto. Acho que me ajudou a digerir tudo que aconteceu e aceitar a forma como acabou, pois o que mais importa é que hoje tenho em minha vida um bebezinho lindo, saudável e feliz! Um anjinho dorminhoco que só trouxe mais alegria para nossas vidas, nos mostrando uma outra forma de amar!

VOLTAR

Seguem o Espaço Dar a Luz