Gestar e dar à luz, esse foi o maior presente que a vida poderia me dar, embora eu ainda não soubesse de fato, apenas imaginasse. Viver essa experiência me transformou por inteira, me redescobri e encontrei dentro de mim uma força que não sabia existir, me transformei em uma nova mulher. Junto com minha filha renasci, renasci cheia de luz, cheia de força, cheia de vida, cheia de amor, pronta para ser mãe, no dia 20 de setembro de 2007, dia do meu aniversário.
A Gravidez
Estar grávida foi simplesmente maravilhoso, desde o começo, desde que soubemos que tinha uma sementinha crescendo em meu ventre. A Anita foi desejada, por isso recebemos com muita alegria o positivo. Curti cada mudança em meu corpo, as curvas que iam aumentando, a sensação de ter uma outra vida dentro de mim e senti-la se mover, crescer... Foi uma época de grande inspiração e alegrias... Era delicioso ser uma pessoa no plural, duas em uma!
Amada desde o princípio, nós desejávamos que a Anita chegasse ao mundo de uma maneira humana, com muito amor, cuidado, respeito e eu tinha muito medo da anestesia, não queria ser anestesiada de forma alguma. Então começamos uma busca por informações e descobrimos o real significado e importância de um nascimento natural e humanizado.
Desde as 10 semanas de gestação freqüentávamos 2 vezes por semana reuniões do grupo de parto de cócoras do hospital CAISM e lá tivemos a alegria de conhecer a Doula Lucía. Com 16 semanas de gestação passamos a ter encontros semanais com ela. Os encontros com a Lucía eram deliciosos, um momento em que eramos convidados a sair da correria do dia a dia e entrávamos em maior contato com a Anita, esclarecíamos dúvidas, falávamos dos nossos medos. Nossos fantasmas iam sumindo aos poucos. Eram encontros de descobertas, do potencial que cada mulher tem para trazer o filho naturalmente ao mundo, da entrega para aliviar a dor e deixar o corpo abrir passagem para o bebê, de toques e manobras capazes de aliviar a dor. Com mais dois casais de amigos grávidos compartilhávamos esses momentos e crescemos e nos fortalecemos juntos, ao lado da Lucía. Ela foi como um pilar, confiamos e nos sentimos seguros com ela, e o mais importante: encontramos confiança e segurança em nós mesmos. Nas reuniões descobrimos os meios para realizarmos o nosso sonho de ter um parto humano, foi uma verdadeira preparação da mente, corpo e alma
Descobrimos o parto Leboyer com a mãe do Ângelo, a querida Nury, em uma aula com ela sobre as formas de nascer. Um mundo novo se abriu, parecia que uma venda havia sido tirada de nossos olhos. Com a Lucía entendemos as minhas necessidades para dar à luz naturalmente e agora entendemos que precisaríamos proteger a Anita do ambiente frio e assustador dos hospitais. Já sabíamos o que buscar para a Anita! Um parto que não a traumatizasse, que a protegesse da agressividade e frieza dos partos hospitalares... Um parto que a rodeasse de amor, carinho e segurança, sem procedimentos invasivos e desnecessários.
Dói, corta por dentro voltar para a realidade e se identificar com o bebê, saber exatamente o que ele precisar e ver como eles estão sendo tratados nos hospitais... Mas buscamos, nos informamos e ficamos felizes por saber que seríamos capazes de dar para a Anita um nascimento digno.
Também era muito importante para nós que o Ângelo participasse de todos os momentos do trabalho de parto e parto. Ele tinha esse desejo de estar junto participando, me ajudando, me acolhendo, vendo a filha dele nascer e poder se sentir parte desse momento único na vida de um casal.
Precisávamos encontrar um médico que respeitasse as nossas escolhas, capaz de ver o parto como ele é, um evento natural e saudável. Esse médico não poderia ter pressa, deveria confiar em mim, respeitar que quem daria à luz seria eu logo seria da forma como eu me sentisse bem.
Se o médico estava difícil de encontrar, o hospital também estava e parecia pior... Os hospitais daqui têm seus rígidos procedimentos de rotina com o bebê, precisaríamos comprar briga talvez, para impormos nossos desejos... Mas parto não combina com briga, inseguranças, frieza do ambiente e falta de liberdade. E agora, como faríamos? Eu não tinha coragem de ter um parto em casa... O Ângelo já tinha! Eu buscava essa coragem mas ainda existiam fantasmas, o fantasma do sofrimento fetal, da possibilidade de dar algo errado e não dar tempo de ir para o hospital...
Mas a vontade de ter um parto em casa existia, guardadinha em algum lugar, crescendo e se fortalecendo a cada conversa e relatos lindos de amigas e conhecidas.
Com 33 semanas de gestação mudamos de médico pela sexta vez, a Lucía nos apresentou a médica Betina, uma obstetra maravilhosa que fazia parto domiciliar. Ela nos deu a segurança final para decidirmos pelo parto em casa, entendi que era seguro e que não havia o que temer, qualquer problema teríamos tempo para seguir para um plano B.
Nessa época eu já estava tão convencida que nascer é um evento saudável, que meu corpo saberia o que fazer assim como a Anita também saberia, que bastaram poucas palavras para decidirmos finalmente pelo tão sonhado parto em casa.
Foi emocionante o dia que decidimos por ele... Meu coração não estava nada tranquilo em pensar que a Anita nasceria em um hospital. Agora que o parto seria em casa senti uma pedra de dez toneladas sair das minhas costas...
Depois de decidido não tivemos mais dúvidas que essa havia sido a melhor escolha de todas! Finalmente sabíamos que nosso sonho de um parto humanizado seria concretizado!
O Trabalho de Parto e Parto
A Anita era muito ativa, não parava de se mexer um minuto e à noite eu precisava conversar com ela para ficar mais quietinha e a mamãe conseguir dormir. Desde as 36 semanas toda noite eu sentia cólicas e achava que era por conta dessa farra toda na minha barriga e principalmente por sentir a cabeça dela pressionando e empurrando a minha pélvis.
Nessa época, com 36 semanas de gestação, eu uma apaixonada por dança do ventre (dancei a gravidez inteira, para aliviar as dores inclusive), não resisti ao ouvir uma música que amo e dancei com muita vontade! Na sequência comecei a ter contrações fortes que iam até a lombar, diferentes das outras que havia sentido. Pensei que entraria em trabalho de parto... Fiz um pequeno repouso por alguns dias, para acalmar a força do meu útero, e tudo passou.
Foi apenas um susto, mas depois desse dia fiquei mais consciente do que estava por vir e algo foi mudando dentro de mim. Eu fui ficando mais introspectiva, queria ficar mais em casa, só com minha barriga e o Ângelo. Me sentia preparando o ninho, entrando em contato profundo comigo, com a Anita e com a proximidade do parto. Era muito estranho conversar com as pessoas, eu me perdia no meio das conversas, quando percebia estava viajando, curtindo os movimentos da Anita, pensando no parto, pensando na carinha dela, como seria...
Eu comecei a visualizar meu parto em casa. Olhava os cômodos e me via em trabalho de parto, testava os cantinhos da casa que pareciam acolhedores, que me ajudariam a ficar de cócoras, serviriam de apoio. Imaginava a alegria de estar ali ganhando minha filha, ao som de músicas que adoro...
Um dia antes do meu aniversário, em nosso encontro semanal com nossos amigos grávidos e a Lucía eu reclamei que não queria encontrar ninguém no dia seguinte, por estar tão introspectiva. Eu me sentia estranha... Mal sabia eu da surpresa que o maridão querido tinha preparado: uma visita nesse mesmo dia de nossos amigos para comemorar lá em casa meu aniversário, do dia 19 para o dia 20 de setembro. No fim foi muito gostoso e fui dormir com aquela sensação boa de estar rodeada por pessoas amadas, assim como queria que fosse no meu parto...
Fomos dormir, e logo veio a cólica, minha amiga de toda noite. Normalmente dormir acalmavam as cólicas e no dia seguinte elas tinham ido embora, mas por volta das 5:00 da manhã do dia 20 de setembro eu acordei e as cólicas ainda estavam lá. Achei estranho, não acreditei que poderia estar entrando em trabalho de parto, então fui dormir de novo. Acordei às 6:30 e aquela coliquinha parecia ter ficado mais forte um pouco e acompanhava contrações que iam e vinham. Alguma coisa me falava que já estava começando o trabalho de parto, mas eu ainda tinha dúvidas, parecia tão cedo, 38 semanas e cinco dias... e era um pouco difícil acreditar que a Anita nasceria no meu aniversário! Acordei o Ângelo e falei da minha desconfiança, mas ele não deu muita bola já que eu sempre tinha cólicas. Tentei explicar que elas não tinham passado, que pareciam mais fortes e eu estava tendo contrações que pareciam ritmadas. Ele sonolento não estava entendendo, só meu deu um beijo carinhoso e uma abraço de feliz aniverśario....
Pedi para ele esquentar uma bolsa de água para colocar na minha lombar para ver se acalmava um pouco aquele incômodo. Nem repouso, nem bolsa de água quente aliviaram as cólicas. Pensamos em ligar para a Betina e para a Lucía para saber se poderia ser mesmo trabalho de parto, mas como estava cedo decidimos esperar mais um pouco.
Enquanto esperava o tempo passar resolvi relaxar e me entregar às contrações e às pequenas dores que estava sentindo. Fiquei de cócoras encostada na cama, como já havia ensaiado nas minhas visualizações, fui respirando profundamente e me entregando, me abrindo, relaxando a musculatura de toda minha pélvis. Nesse relaxamento profundo senti um "xixi" sair. Olhei para o Ângelo que estava deitado na cama e falei: "Ou eu me entreguei e relaxei tão bem que até fiz xixi ou a bolsa rompeu!". Olhei no relógio, já eram oito da manhã...
Ainda não estava acreditando no que estava acontecendo e fui ao banheiro descobrir se tinha feito xixi ou era mesmo bolsa rota. Lá estava na minha calcinha uma manchinha de sangue e saía mais líquido a cada contração... Uau, a bolsa tinha rompido mesmo... e eu devia estar dilatando...
Mas ainda assim não quis criar expectativas, estava tudo muito leve, não sabia quanto demoraria para o trabalho engrenar. Eu acreditava que ainda não era hora de pensar que estava em trabalho de parto ativo, queria guardar energia e tranquilidade para quando o trabalho realmente começasse. Imaginava que ainda poderia demorar, não queria ficar ansiosa.
Resolvemos ligar para a Lucía. Falei para ela o que estava acontecendo mas que como estava tudo tão calmo que ela não precisaria ter pressa em vir, mesmo assim ela disse que estava de saída para nossa casa. Em seguida liguei para Betina, contei tudo o que estava sentindo. Ela pediu para escutarmos os batimentos da Anita (desde as 37 semanas ela tinha deixado conosco o sonar para ouvirmos os batimentos da Anita).
O Ângelo colocou o aparelho no lugar onde sempre escutávamos o coração dela e nada de batimentos... Levei um susto por não ouvir os batimentos, mas sabia que estava tudo bem com a Anita, como sempre ela estava muito ativa na barriga. A Betina recomendou que procurássemos os batimentos na linha do umbigo na altura do osso da minha bacia, bem embaixo. E fomos procurando, cada vez mais embaixo, os batimentos, até que os encontramos! Eu achei inacreditável onde estavam os batimentos!
Agora sim, eu visualizei e pude acreditar que ela nasceria naquele dia...Respirei fundo... uma emoção maravilhosa e tão grande tomou conta de mim... Eu ia conhecer minha filha daqui a pouco... eu ia ver seu rostinho... seus olhos... suas mãos... Nessa hora me senti tão bem... Pronta para trazê-la ao mundo... deixá-la sair... viver o trabalho de parto e parto...
Liguei para minha mãe que mora em Brasília, para que ela tentasse pegar um avião e vir. Ela era uma das pouquíssimas pessoas que sabiam que meu parto seria em casa. Eu queria muito a presença dela naquele momento importante para mim.
Fui para o quarto da Anita, deixei ele escurinho, coloquei uma música bem calma de dança do ventre, acendi umas velas e comecei a dançar... e rebolava, respirava, me entregava... relaxando ao máximo para que meu colo pudesse se abrir com facilidade... As contrações foram ficando mais intensas, em pouco tempo comecei a sentir mais dores e fui para o chuveiro me aliviar. Como era gostoso estar em baixo d'água...
Quando a Lucía chegou com a bola de pillates eu preferi ficar nela relaxando. O Ângelo preparou a sala e fui para lá. Me debrucei sobre a bola e a cada contração emitia um som contínuo que me ajudava muito a dissipar a dor. O som era um "aaahhhh" longo e grave, como o "ooooommm" de uma meditação. O som não correspondia à dor que estava sentindo, apenas me ajudava a aliviá-la.
O trabalho de parto estava acontecendo rápido, as contrações cada vez mais poderosas, mas o ambiente acolhedor da minha casa, a presença do Ângelo e da Lucía me passavam um bem estar tão grande que estava sendo fácil suportá-las. Eu estava tão segura... tão emocionada por estar vivendo aquele momento daquela maneira que em certos momentos chorei de alegria... Como era bom estar ali... cercada de amor, carinho, cuidado... era tudo que eu precisava, comecei a entender realmente a importância de tudo aquilo para o parto da minha filha seguir bem.
Hora a Lucía massageava minhas costas, hora o Ângelo, era tão delicioso que as contrações mais doloridas se perdiam... O Ângelo me abraçava, me beijava, me elogiava de uma forma tão bela, com suas palavras carinhosas e amorosas que a dor se transformava... e eu me confundia algumas vezes, começou a ser gostoso quando vinham as contrações... cheguei a sentir prazer mesmo, mas não contei para ninguém, guardei para mim, era um momento meu... os sons que eu emitia talvez me entregassem. E assim foi caminhando, não contei nem cronometrei as contrações, não precisava disso, seria como deveria ser.
Nossa amiga Aninha chegou, havia a convidado para estar conosco e também para fotografar nosso momento especial. Quando ela chegou eu já estava em outro mundo (na partolândia) centrada em mim, falou comigo mas não pude responder. Mais tarde falei oi. Em seguida chegou a Betina, falou comigo e apenas se sentou e ficou observando meu trabalho de parto.
Betina |
Nesse momento já estava bem intenso, as contrações poderosíssimas, mais tarde ela perguntou se poderia fazer um toque para saber se era hora de chamar o pediatra (Cacá), já que ele viria de São Paulo. Eu imaginava estar no comecinho, mas mesmo assim deixei, até que seria legal saber como estava caminhando meu TP. Tão delicada, nem senti o toque direito... Ela disse: "Você já está com 7 cm".
Que alegria, que alegria!!! Eu estava já estava com 7 cm!!! Também vi alegria no sorriso da Lucía... "Você está perfeita" ela falava pra mim, me motivando ainda mais. A Lucía costumava me falar que aquele era um dos portais que ia passar, onde o trabalho podeira ficar mais intenso e eu teria que manter a entrega para a dor não se tornar insuportável. Fiquei tão feliz por ter chegado nele tão rápido (eram 11:00 horas, apenas 3 horas depois da bolsa romper) e estar conseguindo lidar bem com a dor.
Então a dor foi ficando intensa. Me coloquei de córoras, caminhava, bebia água, comi umas uvas,melancia. Certas vezes pedia um pano molhado na testa, como era bom...
Mas estava tudo bem, eu não ficava tensa com a dor, apenas emitia aquele som bem alto abrindo bem minha boca e garganta para abrir embaixo também.
Minha sogra Nury chegou, não achava que ela viria, uns dias antes falamos para ela que só poderia estar presente quem concordava com nossa opção. Mas ela não poderia perder aquele momento e foi para lá. Falou comigo eu também não pude responder, estava muito dentro de mim mesma. Ela foi para um cantinho e ficou apenas observando, não sei quanto tempo depois falei com ela.
As dores estavam fortes demais, eu não estava mais dando conta de me entregar, comecei a ter medo... Pedi para ir para o chuveiro, eu precisava de água quente caindo no meu corpo. Mas no chuveiro a água não esquentava por nada... ele era à gás, não sei porque bem naquela hora foi quebrar o aquecimento.... sei que me tirou da partolândia de vez, parecia que tinha acordado e as dores ficaram absurdamente doloridas... começou um corre corre das pessoas para liberar o banheiro da área de serviço (que era nosso quarto da bagunça), lá tinha um chuveiro elétrico.
Fui para lá, perdida ainda... com muita dor, que me dava medo, que me dava mais dor... falei para a Lucía que achava que não suportaria... Ela resolveu jogar sal marinho em mim. Não sei explicar, mas a cada punhado de sal que caía em minhas costas ou nos meus pés sentia um alívio forte. A minha doula querida me falou que eu estava prestes a descobrir uma força poderosa que tinha dentro de mim... falou mais algumas coisas e reafirmou que eu estava indo muito bem. Não sei se ela sabe mas as palavras dela naquele momento me ajudaram a retomar o eixo e voltar a me entregar como antes.
Lucía me Incentivando |
A dor era muito intensa, a água até ajudava mas não tanto quanto eu desejava, no entanto estava dando para levar. Eu pensava em segredo que era doida, onde estava com a cabeça quando tinha optado por não querer hospital nem anestesia, essa hora poderia estar sem dor deixando o trabalho acontecer. Mas meu íntimo sabia que eu não desejava nada daquilo e então dissipava o meu pensamento.
Minha mãe chegou! Mesmo com dor sorri para ela... Aliás dava para sorrir entre as contrações...
Pouco depois senti uma dor diferente, uma dor grande, que mudou o som que eu emitia. A Betina e Lucía se entreolharam, também perceberam que tinha uma mudança. Eu senti algo diferente, a cabeça da Anita estava começando a descer! Toque de novo e ouço: "Dilatação total!".
Ufa... consegui dilatar tudo, pensei, agora falta muito pouco! Perguntei as horas, era meio dia! Que bom, estava sendo rápido! Mas a descida da Anita era algo muito dolorido... eu sentia cada pequeno movimento da cabecinha dela junto com contrações poderosíssimas. O que era aquela força toda do meu útero? Como era poderosa! Que intensa! Esse poder todo me assustava... iria aumentar? Poderia ele ficar mais forte? Seria eu capaz de suportar tudo aquilo? E os pensamentos começaram a vir, as coisas começaram a remexer dentro de mim. Eu estava começando a renascer e para renascer eu não sabia, mas iria reviver lembranças e confrontar crenças sobre mim mesma. Pedi para não deixar a Nury ou minha mãe irem falar comigo, ou melhor não queria vê-las... eu temia ver o medo delas e desacreditar de mim mesma... sabia que elas estavam lá, cheias de inseguranças...
Eu resolvi fazer força para a Anita descer logo, nascer e tudo aquilo acabar. Eu estava em pé e já fazia um tempo que a Lucía e o Ângelo apertavam meu quadril para ele se abrir mais e a Anita descer com mais facilidade. Isso era maravilhoso, não deixava que eles parassem uma vez sequer. A cada contração gritava "Apeeeerrrta!""" Mas a Anita vinha tão devagar... eu gritava seu nome "Anitaaaaa, vem meu amor!". Parecia demorar tanto... Algo estava errado? Por que ela ainda não estava coroando???
E eu comecei a falar todas as perguntas que vinham em minha mente, todos os meus medos, para que os pensamentos pudessem vir e ir embora, sem empacar meu trabalho de parto. E como eu tinha medo, meu Deus, como eu tinha medo... Lá estava eu, vivenciando um momento desafiador... Eu que por uma vida inteira acreditei ser incapaz de tantas coisas... eu que tinha nascido de ceśarea marcada por terem assustado minha mãe, que nasci em meio a um turbilhão familiar o qual me fez vivenciar tantas dores quando ainda era uma recém nascida... eu que me senti por tantas vezes um erro nessa vida... estava vivenciando e desafiando tudo isso... descobrindo uma nova verdade sobre mim. Esse era o motivo que me fazia sentir tanta dor e medo, hoje entendo, na hora não.
Já não queria mais água em meu corpo. Fui para a cozinha, ainda fazia força pra a Anita descer logo. Fazer força doía mas era bom sentir a cabeça da minha filha descer, me dava uma sensação de que ela nasceria mais rápido. Até que uma hora decidi não fazer mais força, perguntei para a Lucía se iria atrapalhar o TP, ela disse que não. Me debrucei sobre a bola, o Ângelo pegou o violão e começou a tocar, não me lembro da música, não sei quanto tempo fiquei assim, sei que era bom. Me entreguei de novo e as dores foram sumindo de novo.
A Aninha começou a cantar para mim junto com a Lucía, também não lembro da música, mas parece que era uma música de ninar...
Aninha |
Eu que estava revivendo meu próprio nascimento me senti tão acolhida por aquela música... recebi uma massagem na mãos feitas pela Aninha e pela Betina que me faziam tão bem e as dores iam embora assim que vinham...
A Anita coroou, finalmente! Me sentei na banqueta de cócoras. A Betina me explicou que poderia arder um pouco, que era normal, ela falou para acreditar em mim que eu iria e estava conseguindo dar à luz assim como todas as mulheres antes de mim haviam conseguido... Isso me tocou na alma... Mesmo com muito medo confiei em mim. Eu estava em meio a um círculo de proteção. O Ângelo nas minhas costas me dava apoio, carinho e coragem. A Lucía do meu lado me falava palavras de encorajamento, me lembrando dos portais que estava passando e dos meus sonhos que havia relatado para ela que já avisavam da transformação profunda que eu passaria, me lembrava de respirar para dissipar a dor. Na minha frente Betina que me passava confiança e segurança que tudo estava caminhando bem. O Cacá também já estava lá e passava tranquilidade. A Aninha filmava tudo e me encorajava também.
Colocaram um espelho para eu ver o progresso, mas eu não conseguia olhar para ele. A cada contração a cabeça da Anita vinha devagar, saia um pouco e voltava outro pouco. A Betina me tranquilizou falando que era assim mesmo. Como ardia o círculo de fogo, como doía a saída da Anita. Eu queria chorar mas não saiam lágrimas. Ardia tanto que eu achava estar lacerando... e eu só via um pedacinho da cabeça da minha filha, como seria quando a cabeça saísse? O medo voltou e eu estava tão cansada já... me deram mel, frutas para eu recuperar as forças. E eu pedia forças... A Lucía ao meu lado falava baixinho alguma coisa que eu sentia crescer em mim essa força.
As contrações eram generosas comigo, mesmo com a minha filha coroando elas estavam bem espaçadas, acho que irregulares também. Algumas vezes vinham uma seguida de outra, mas na maioria das vezes demorava de um a dois minutos entre uma e outra. Apenas a ardência não tinha intervalos e isso me assustava, o medo da dor me assustava.
Coloquei a mão na cabecinha da Anita, achei estranho. Parecia que tinha tocado em mim e não tinha sentido. Ela era cabeludinha. Preferi não fazer mais isso até que ela nascesse. Acho que na hora eu estava com tanto medo que não consegui curtir aquela sensação.
A cada contração eu gritava alto e forte, não só de dor mas o grito me ajudava a suportá-la e eu ganhava forças. A minha mãe (que via tudo chorando ao lado da minha sogra Nury que também chorava) não aguentou ver minha situação e veio me abraçar, me dar colo. Mas com muita dor no coração eu não pude receber aquele abraço, pedi para ela não fazer aquilo, para não desistir... era o que eu mais queria, o colo da minha mãe. Mas aquela hora eu não podia ser filha, precisava ser a mãe, eu era mãe...
E a Betina percebendo que eu estava precisando de mais incentivo pegou nas minhas mãos, olhou nos meus olhos profundamente e falou alguma coisa que não me lembro. Mas o olhar dela para mim foi tão profundo que eu me senti diferente, subiu uma coisa em mim, uma coragem, uma determinação e uma certeza que eu conseguiria, mesmo com dor, mesmo com medo... Ela ouviu o coraçãozinho da Anita, eu achei que estava devagar... Sabia que precisava ajudá-la a nascer, precisava me inclinar para frente como não tinha tido coragem de fazer antes.
Estava de cócoras, me inclinei levemente para frente, sabia que isso ajudaria minha filha. Fiz isso chorando por dentro com medo da dor, medo da mudança que aconteceria em minha vida...
Veio a contração, todos me encorajaram e eu deixei minha filha nascer... Primeiro saiu a cabecinha, a Betina tirou uma circular de cordão, ela também vinha com a mãozinha no pescoço. Na sequência veio outra contração e saiu seu corpinho!
Do momento em que coroou até o momento que nasceu se passaram 25 minutos. Não lacerei, apenas tive um pequeno corte na mucosa que bastou um ponto para fechar.
Às 15:20 do dia 20 de setembro de 2007 nasceu a Anita, minha filha, com o nome da minha avó paterna que eu amo e que também havia dado à luz em casa todos os seus seis filhos.
Anita nasceu alerta, de olhos abertos e carinha de sapeca. Rodeada de amor, calor e segurança. Foi direto para meu colo, perto dos meus seios que já pingavam leite, perto do meu coração. Ela estava em meus braços. A dor sumiu. Eu me transformei. Me sentia vitoriosa!
Foi como sair de dentro de uma casca dura que me prendia, para uma vida nova, com um novo limiar. Eu estava plena! Transbordava alegria, transbordava emoção, transbordava amor...
Me sentia iluminada, como se uma grande Deusa estivesse em mim, dentro de mim. Como eu era grata por minha filha ter sido tão linda no nascimento dela e ter me dado essa oportunidade de me redescobrir... Como eu estava grata por todos que estavam lá terem acreditado que eu conseguiria. Como eu estava feliz comigo mesma por ter acreditado em mim e ido até o fim...
Mas o mais gratificante era ter minha filha ali saudável, protegida... comigo... com meu marido... Nunca saberei colocar em palavras como a presença dele foi crucial para eu ter conseguido chegar até o fim. Meu amor por ele também transbordava...
E a Anita... como era linda, grande, 52 cm e 3,760 kg... eu a beijava, beijava, declarava meu amor por ela, a abraçava, sorria, me encantava... ela estava ali... era minha filha... Parecia que sempre tinha imaginado ela com aquela carinha...
Agora sim, olhei para minhas queridas mãe e Nury e falei: Eu consegui!
Que alegria! Estava grata pela presença das duas...
Minha mãe e Nury |
A Anita chorou um pouco, cantei para ela como cantava quando estava em minha barriga "Anita linda da mamãe"...
Ela começou a procurar os meus seios, encontrou e com 7 minutos de nascida já mamava... Quando o cordão parou de pulsar o Ângelo cortou. Naquele momento senti nossa separação... e finalmente deixaria de ser uma pessoa no plural, falei para ela e para mim: Agora somos duas! A placenta demorou para nascer, precisou de uma ajudinha depois de uma hora de espera. Nós a enterramos embaixo de um pé de amora.
E esse foi o nascimento da minha filha que me presenteou no meu aniversário com sua chegada e com o meu renascimento e redescoberta através da vivência mais maravilhosa da minha vida... o parto!