¤ Relato do nascimento de Ísis, filha de Cintia e Mauro

Escrevi esse relato, talvez pra compreender melhor a experiência vivida, já que sou um “ser escrevente” por natureza. Também para registrar o nascimento da minha filha, pra ela ler quando crescer e ter coragem de fazer suas próprias escolhas. E acho que principalmente, para ajudar outras mulheres a acreditarem que podem parir. Porque foi assim que eu me fortaleci, ouvindo outros tantos relatos... por isso fiz questão de citar alguns dos nomes das tantas mulheres que me inspiraram. Por favor, qualquer pessoa que tenha seu nome citado aqui e se sinta incomodada, me escreva que eu substituirei por outro fictício.
 
Minha intenção não era de modo algum mostrar isso assim, na íntegra, porque literalmente me exponho “nua em pêlo”. Mas uma pessoa muito querida leu e pediu que eu mostrasse esse texto a outras mulheres. Achou que assim, elas poderiam ter a dimensão da oportunidade de ouro que a natureza nos dá... e que sem saber, muitas vezes desperdiçamos, nos acomodando a conveniência médica e  cesáreas que não seriam necessárias.
    Já foi tão difícil escrever, que agora eu não vou nem tentar reler pra “censurar” alguma coisa, seria outro trabalhão e eu nem conseguiria fazer isso. Então, peço que cada uma (um) ignore o que achar “muita viagem”, porque claro, essa foi a MINHA viagem, mas que considere o que puder aproveitar. Vou ficar realmente muito feliz se alguma mulher após ler, se lembre e aposte na sua força e grandiosidade e confie: Sim, se eu consegui, você também pode... e será certamente uma experiência única, pode ser maravilhoso e marcá-la por toda existência. Agradeço também ao meu marido Mauro, meu grande amor, por entender essas razões e permitir que eu exponha assim, parte de nossa intimidade.
    Acima de qualquer outro sentimento, sou muito grata a todos que participaram dessa jornada.

    Pra quem se aventura, segue o relato de 20 páginas.
                                              Abraços, Cintia.

O dia em que Ísis veio ao mundo

Filhinha, como eu já te disse várias vezes, a sua gravidez foi por mim muito sonhada, desejada e pedida em oração. E por isso também muito temida, já que eu pedia por uma experiência autenticamente transformadora, para mim como mulher e para toda nossa família. Na qual eu pudesse realmente ser sujeito de todo processo e principalmente poder parir de forma ativa e consciente. E eu já imaginava que essa caminhada não seria nada, nada fácil. Não estava certa de ser capaz, mas meu coração me dizia para seguir em frente.

O processo de gestação foi muito intenso e trouxe à tona inúmeros conflitos. Foi muito difícil, emocionalmente falando, até o oitavo mês de gestação. À partir daí eu já era uma outra pessoa, eu sabia que tinha conseguido atravessar uma espécie de primeiro portal que me levaria a um parto feliz. Depois de penar por 8 meses, agora eu me sentia pronta e madura para te receber. Depois de várias situações de conflitos com seu pai, agora então eu o sentia inteiro e entregue ao processo de deixar nascer, me apoiando, integralmente amoroso e cuidadoso comigo. Sentia que a nossa relação enquanto casal se renovara. Estávamos tecendo juntos uma nova aliança.

Embora desde o início eu já contasse com uma “super equipe”; fazia yoga com a Marie, freqüentava o grupo de casais gestantes do Samaúma,a psicoterapia com a Lunalva, a preparação em casal com a Lucia, tinha o apoio da Maryam, a confiança da Ana Cris nas consultas de pré-natal e rezava junto ao Sai Baba, ainda assim, tinha momentos de intensa solidão... em que eu me sentia aquele eremita que anda no escuro carregando a sua lanterninha e precisa aprender a confiar na própria luz... 

Lá pro oitavo mês de gestação, eu já tinha chorado um pequeno rio, já tinha tido todas as “DR” possíveis com o Mauro e comigo mesma. Alguma coisa nasceu em mim. Me percebi mais serena e feliz e cada vez mais dentro de mim mesma. Percebi que uma coisa que sempre me foi estranha, que era meditar, antes sentida como algo de ”fora pra dentro”, pela primeira vez fluía naturalmente. Eu sentia mesmo necessidade desses momentos de aquietar a mente de um jeito mais profundo. Era então com facilidade que eu fechava os olhos e imaginava uma chama acesa, irradiando luz por todo meu corpo e abrindo minhas entranhas pra deixar vir um novo ser. Eu nunca tinha conseguido essa calma interna antes, então eu sabia que estava muito diferente e apesar da grande ansiedade que me invadiu na semana anterior ao parto, toda vez que eu perguntava ao meu coração se conseguiria, a resposta vinha suave e afirmativa: “sim, sim, claro que sim. Confie e se entregue.”
 
O apoio da Lucia, minha doula, foi fundamental. Ela me ensinou a primeiro espantar os pensamentos negativos, depois transformá-los em positivos, imaginando que tudo vai dar certo e depois ainda, transformá-los em superlativos, idealizando a situação do parto; imaginando “o melhor dos melhores”. E aí sem querer controlar a situação, sabendo que na hora poderia sair tudo diferente, porque existe uma lógica maior que tudo rege e porque a vida real não é algo previsível ou controlável, “entregar” ao Universo, sabendo que eu estava fazendo a minha parte, dando o melhor de mim. Lucia me disse que eu podia sim, nutrir o meu sonho de um lindo parto e isso era maravilhoso! Assim, eu comecei a rezar todo dia, pedindo e mentalizando um parto rápido, sem dor (eu sabia ser impossível não ter nada de dor e achava meio “cara- de- pau” pedir isso, então passei a pedir para ser com pouca dor e por fim pedia “com dores suportáveis”, que me pareceu mais justo), para não ter laceração no períneo e por fim que fosse um parto muito feliz, que trouxesse transformação e uma nova união e harmonia para nossa família. Em seguida acrescentava: “Assim eu peço. Seja feita a tua vontade.” No finalzinho da gestação eu comecei a pedir também que a Lucia estivesse presente no dia do parto. Que se a Ana Cris (parteira) e a Ana Paula(pediatra neo natal) ainda estivessem em Brasília, no congresso, tudo bem, eu já estava conformada e me viraria, mas que sei lá como, eu precisava que a Lucia estivesse comigo na hora. E claro, eu pedia ao Baba que estivesse comigo também na hora, mas isso eu tinha certeza de que aconteceria. TUDO, tudo o que eu pedi me foi concedido.(A Lara sempre fala pra gente ver bem o que vai pedir e é verdade. A Natalinha contou que tinha uma fantasia: “já pensou se no dia do parto, estivesse tendo uma grande manifestação e eu  passasse por ela em plenas contrações?” E foi exatamente o que aconteceu, mas na hora, com dor ela não achou tão legal assim depender de um guarda pra ir abrindo passagem no meio de uma passeata, pra ela conseguir chegar até a maternidade!)

Uma curiosidade é que no comecinho da gravidez, uma amiga, a Kellinha, me deu de presente o CD da Fadynha, de “meditação para grávidas” e eu comecei a escutá-lo. A Fadynha é uma professora de yoga que trabalha já há bastante tempo com gestantes e nesse cd ela induz a um relaxamento, passo-a-passo e no fim a gente visualiza o momento do nascimento do bebê, quem a gente quer que esteja junto... e na primeira vez que eu fiz isso, me veio a imagem da Lucia pegando o meu bebê. Eu a conhecia “de vista” e foi por causa dessa imagem que fui atrás dela para ser minha doula. No final da gestação, a última vez em que eu fiz essa mesma visualização, a única pessoa que aparecia comigo além do Mauro era a Lucia. Eu tentei colocar a Ana Paula e Ana Cris na imagem, mas não conseguia, parecia forçado, eu não entendia o porquê. E depois foi assim mesmo, durante todo o trabalho de parto, até o momento expulsivo, somente a Lucia esteve comigo da equipe de parto. O inconsciente é uma coisa fascinante! Em algum lugar dentro da gente moram todas as respostas, passado, presente e futuro...

Bem, voltando à preparação pro parto, a Lucia me ensinou também, de uma forma super simples, a respirar. A única coisa a fazer é prestar atenção na respiração, deixar o ar entrar pelo nariz ou boca, por onde der e visualizá-lo descendo pela garganta, passando pelas costas, rente à coluna vertebral e sempre descendo, até sair por baixo. Se fosse pra resumir todo o parto em uma ou duas palavras eu diria: RESPIRAÇÃO CONSCIENTE.

Todo esse preâmbulo, para mostrar que o parto é só o ápice de toda uma experiência de auto-conhecimento. Por isso a gente tem que fazer a nossa parte, percorrer todo esse caminho, com coragem e mesmo que a gente não atinja o nosso objetivo final, que o parto não seja exatamente como o esperado ou até que seja feita uma cesárea, caso haja real necessidade, se o caminho foi verdadeiro, já valeu a pena, já trouxe crescimento e transformação para todos os envolvidos. Eu sempre pensava nisso. Pedia com todas as minhas forças um parto feliz, mas ao mesmo tempo sentia imensa gratidão por todo aprendizado até aquele momento. Já tinha valido a pena todo esforço em buscar informação, consciência corporal e emocional. Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa escreveu o seguinte poema:
 
Para ser grande
Se inteiro!
Nada te exagera
Ou exclui
Se todo em cada coisa
Põe quanto és
No mínimo que fazes
Assim em cada lago
A lua toda brilha
Porque alta vive

Então, vamos ao grande dia...

Relato

Terça-feira, dia 23 de novembro de 2010, umas 15h30, começou a sair o tampão do colo do útero. Um muco meio marronzinho avermelhado, claro, com consistência de clara-de-ovo. Chamei o Mauro pra ver. Minha mãe estava em casa e eu mostrei à ela também. 

A Ana Cris tinha me falado que em média, depois que começa a sair o tampão, o trabalho de parto se inicia em uma semana. Fiz as contas. Ia dar certinho no dia 29, data provável do parto. Será? Começaram umas contraçõezinhas chatas, parecidas com cólicas menstruais. Um pouco mais tarde, chamei minha mãe no quarto e conversamos. Eu tinha passado a gravidez toda cogitando se deveria contar a ela ou não, que faria o parto domiciliar. Da minha família ninguém sabia. Na noite anterior, eu tinha tido um sonho que me incomodou, acordei aflita e me sentindo desleal por não confiar na minha mãe. Eu, sua única filha, não compartilhar uma experiência tão importante como essa. Na verdade eu queria muito que ela estivesse presente me apoiando, mas tinha medo que ela ficasse apavorada e isso pudesse me atrapalhar. Sou psicóloga e costumo ouvir meus sonhos e suas mensagens com bastante atenção. Sendo assim, liguei pra minha terapeuta e fizemos uma sessão por telefone. Compartilhei o sonho com ela, que também achou que ele revelava culpa por essa situação toda e me disse: “Penso que agora você já está pronta pra contar pra sua mãe. Está segura o suficiente, o que quer ela te fale, não vai te abalar.” E eu me sentia realmente assim. Por isso, nesse fim- de- tarde do dia 23, chamei-a no meu quarto e falei: 

- Mãe, vou te contar uma coisa muito importante, que quase ninguém sabe, eu gostaria que você não comentasse com ninguém, nem com o Paulo (meu irmão)... nós vamos ter o parto aqui em casa.
- Ah, tá, eu já imaginava.
-Já imaginava? Como assim?
-É que as suas amigas todas tem filho em casa antes da parteira chegar...
-Pensei que você fosse ficar super ansiosa!
-Antigamente todo mundo tinha com parteira, né?
Ufa! Tirei uns bons quilos das costas, minha mãe me deu a maior força! E olha que ela teve duas cesáreas, eu nasci de uma cesárea eletiva.

Fomos ao super mercado, pra comprar os alimentos da equipe de parto. Era só o que faltava pra gente ficar em paz e esperar o começo da aventura. Antes das compras fomos comer no shopping e encontrei a minha prima Eliete.. Ela me disse que depois que saiu o tampão, na gravidez da sua filha Isadora, foi uma questão de horas pra nascer. Me deu uma pontinha de ansiedade. Eu quis ainda comprar alguns mini-DVDs pra filmagem. Fomos pro mercado. Mais contrações. Lembrei da Isa (do Capi e do Pietro, que escrevia nos e-mails que tava tendo contrações no super-mercado! Enquanto eu esperava sentada e o Mauro passava as compras, me lembrei da Natalinha, dizendo no seu relato de parto  que no dia estava se sentindo muito estranha... eu também me sentia diferente. As vezes as vozes e as imagens externas começavam a ficar meio desfocadas, distantes, parecia que eu ia entrando cada vez mais dentro de mim mesma. Minha intuição dizia: Vai ser hoje. Meu pensamento perguntava: Será? Saindo do mercado as contrações estavam piores. Eu perguntei ao Mauro se a gente podia passar na casa da nossa amiga Naya pra pegar a piscina inflável que ela ia nos emprestar, já que no fim-de-semana a gente tinha testado a da Lucia e descobrimos que o cachorro dela a abocanhara, enchendo de furos e não dava pra enchê-la... ele preferiu voltar direto pra casa. Estávamos cansados. Pensei em arrumar uma cesta bonita, com os bombons, castanhas e outras guloseimas e colocar umas flores também, mas tava tão cansada que nem tirei nada das caixas de papelão e fui logo dormir. 

Acordei as 24h40 pra ir ao banheiro. Saiu mais um coágulo grande agora, do tampão. Senti que o momento esperado se aproximava. Já não conseguia mais dormir por conta da ansiedade e das contrações. Fui pra sala, sentei na bolona, fazendo movimentos circulares com o quadril e respirando. As contrações foram ficando mais fortes, pensei: “Preciso aproveitar dormir agora, pra ter energia pro trabalho de parto!” Tentei deitar no sofá, mas não deu, porque deitada doía mais. Fui chamar o Mauro, ele resmungou alguma coisa mas não acordou. Fiquei com dó de insistir, porque ele acorda todo dia super cedo, as 5h30 pra ir trabalhar e estava exausto. Fui no quarto em que a minha mãe estava dormindo e a chamei. Ela se ergueu, mas não entendeu o que eu queria e voltou a dormir. Senti que esse comecinho era um momento que eu tinha de enfrentar sozinha. Me lembrei que essa era justamente a minha ferida, o meu medo: Estar sozinha, desamparada. Cada uma de nós tem algum medo profundo, guardado. A Lara, do Samaúma, sempre falava pra gente: “Tente descobrir qual é o seu medo, pra poder entrar em contato com ele antes, elaborá-lo, porque no dia é ele que vai aparecer”. Eu demorei um pouco pra descobrir qual era o meu medo. Sabia que não tinha medo da dor física, nem de ficar alguns dias em trabalho de parto, mas então, qual era o meu medo?Mais ou menos na metade do processo de gestação, descobri e pude nomear o meu medo. Acho que foi quando a Ana Cris me disse que talvez nem ela, nem a Ana Paula estariam no meu parto, porque ambas iriam pra um congresso em Brasília próximo à data provável do parto. Em seguida a Lucia me disse que ela também iria para o mesmo congresso, ou seja, a minha equipe de parto inteira, poderia não estar presente! Isso mexeu muito comigo, foi difícil aceitar e depois ter que ir atrás de uma outra equipe reserva... mas enfim pude identificá-lo: Se chamava MEDO DO DESAMPARO. Provavelmente tinha suas origens em algum ponto da minha estória de vida, eu podia suspeitar de alguns acontecimentos que poderiam ter levado a isso. O importante é que agora se fazia presente de novo em mim, mas por ter emergido à consciência, já não podia mais me dominar e paralisar. E então fui trabalhando essa minha ferida na terapia, na minha vida e nas minhas orações. E até no “Jogo da Transformação”, que eu joguei com a Lucia numa das sessões, saiu como um bloqueio exatamente a carta “DESAMPARO”, e que depois foi se limpando no jogo e também dentro de mim. Por tudo isso, esse início de pré-parto “sozinha”, tinha todo um sentido.
Moramos na zona rural de Sousas. Foi então, nesse início de madrugada, que ouvi um mugido forte, da vaca do vizinho. Seu bezerro fujão devia ter ido dar um rolê e ela o chamava. Pensei: “Se ela consegue, sozinha, sem parteira nem nada, dar a luz, eu também consigo. Somos todas parte de uma mesma natureza.” E isso me encheu de coragem. Agora escrevendo, parece engraçado!

As contrações começaram a doer mais. Liguei o computador e entrei no site contraction master, pra ver se eu mesma conseguia marcar a duração e intervalos das contrações sem precisar acordar ninguém ainda. Como eu previa, na hora me embananei toda e não consegui nada. Então acordei o Mauro e a minha mãe. Ele também não conseguiu marcar pelo site, então foi anotando manualmente mesmo. Ele tinha jogado futebol na véspera e por isso estava muito cansado, então cochilava com o bloquinho de anotações e a caneta na mão. E cada vez que eu dizia: “Tá vindo agora Mau!”, ele acordava e marcava a hora. Imediatamente voltava a cochilar. Aí eu dizia: “Mau, passou.” Ele acordava e marcava de novo a hora. Nesse tempo foi super importante a presença da minha mãe, me doulando, fazendo massagens onde eu pedia e não me deixando sentir só nem desamparada. Eu ainda me sentia bem em ficar sentada na bolona, enquanto minha mãe me massageava os pés com aquele óleo maravilhoso de arnica com bétula, da Welleda, indicação da Ana Cris. Comecei também a tomar “Pulsatilla”, que já é minha medicação de fundo na homeopatia e indicado para auxiliar o trabalho de parto. A recomendação da minha homeopata era de que eu tomasse 3 gotinhas logo no início do trabalho. Se estivesse evoluindo bem, deveria tomá-la a cada duas horas. Caso estivesse muito lento, tomaria de uma em uma hora e se estivesse evoluindo rápido demais, deveria tomá-la apenas a cada três horas. Me lembro de ter tomado a primeira dose as duas da manhã, depois as quatro, as seis horas e depois quando deu vontade, mais uma ou duas vezes. 

Aproximadamente umas 3h30, eu liguei pra Lucia, falei que estavam mais doloridas as contrações, de um em um minuto ou às vezes de dois em dois minutos, com duração de um minuto ou dois, não me lembro ao certo. Ela me perguntou se eu queria que viesse e respondi que sim. Não sei quanto ela chegou ainda estava escuro. (Depois ela contou, que a filha tinha usado seu carro e deixado quase sem gasolina e ela veio morrendo de medo de ficar no meio da estrada!) Ao ver a Lucia, minha mãe respirou aliviada e foi logo perguntando: ”o que a gente faz pra ajudar? O que ela precisa?” e ela respondeu com toda simplicidade do mundo: “eu também não sei, nós vamos ter que ir descobrindo, ela vai nos dizer”. Continuamos com as massagens. Eu sempre concentrada na respiração. A Lucia tinha me ensinado uma respiração básica e ótima, que a gente sempre usava nas sessões com ela e que eu passei a usar na minha vida, situações difíceis, antes de meditar, pra namorar... a gente relaxa e tudo se abre. Usei esse princípio o parto todo, com algumas variações de sons, gritinhos, gritões no final, urros no meio... foram muitos sons.

Eu tinha separado alguns CDs pra colocar durante o trabalho de parto, sem acreditar muito que na hora eu ia querer saber de música, mas nesse comecinho, deu vontade. Pedi e alguém colocou um CD do Yogananda, bem suave, de piano, o Mauro acendeu um incenso pra mim. Nessa hora ainda dava vontade de dançar. O Mauro e a minha mãe me sustentavam durante as contrações, minha mãe segurava a minha cabeça e o Mauro segurava na altura dos seios, eu me balançava conforme meu corpo ia pedindo e eles gentilmente me acompanhavam, dançavam comigo, como se nós quatro: O Mau, minha mãe, o bebê e eu fôssemos um só ser. O mundo inteiro parecia estar no mesmo balanço. Tudo ao nosso redor comungava a mesma dança da vida. (Depois do nascimento, quando ouvia a minha mãe contando pra alguém sobre a experiência que tínhamos vivido, ela sempre enfatizava: “Eu e o Mauro dançamos, literalmente, com a Cíntia...” parece que esse foi um momento muito especial pra ela e foi bonito mesmo.) 

Algumas vezes irrompia um choro forte, que durava alguns segundos. A Lucia dizia: “Pode chorar”. Eu sentia que eu podia chorar, podia fazer o que eu quisesse, podia ser quem eu realmente era. E o choro passava rapidindo. Mas era uma emoção intensa e eu ouvia um TEC por dentro, sentia  como se um nó muito antigo dentro de mim, nos meus ossos, estivesse desatando, liberando uma energia há tanto tempo represada. Uma vez depois desse TEC me lembrei de Reich e tive a sensação de que estava desfazendo algumas couraças, das quais  talvez eu  já pudesse me libertar.

Toda vez que uma posição “gastava”, ou seja, já não estava mais aliviando a dor ou eu já estava cansada de ficar daquele jeito, eu ia pra outra. Acho que a Lucia sugeria algumas posições, mas me lembro do meu corpo pedindo naturalmente e eu tinha plena consciência de onde precisava que me pegassem e de que jeito ficar, então ia conduzindo a todos.
Pedi pro Mau colocar no meu pescoço a minha correntinha de ouro com a imagem do Sai Baba. 

Umas 6h30 ligamos pra Maryam. Já estava combinado dela vir pra ficar com a Laila, minha filha então com 2 anos e 8 meses, quando eu entrasse em trabalho de parto. Eu queria também pedir a ela que trouxesse a piscina da Naya, já que a da Lucia estava furada. Só dava caixa postal, minha mãe só conseguiu falar com ela acho que uma hora depois.
Num dado momento a Lucia achou que já deveria ligar pra Ana Cris, chamando-a. Ela demorou pra chegar, ligou várias vezes pedindo indicações do caminho.

As 8h chegou a Eliane, a moça que trabalha em casa. Tive a impressão de que ela assustou um pouco ao entrar e me ver semi-nua, o Mauro me amparando, minha mãe colocando bolsinha de água quente na minha genitália, todo mundo me amparando, massageando... Escutei a voz dela, abri os olhos (sempre nas contrações eu fechava os olhos pra me concentrar na respiração), dei um sorriso e falei que estava tudo bem e que ela podia ficar em casa com a gente.
A Laila acordou, falei pra ela que o nenê estava chegando, que a Lucia, que ela já tinha conhecido veio pra ajudar ele a sair da barriga da mamãe. Que as vezes dói um pouquinho, então se em algum momento eu gritasse, que estaria tudo bem, era só o nenezinho chegando. Ela ficou tranquila. O Mauro falou pra ela dar uns beijinhos na minha barriga e ela beijou, toda gracinha.
A Maryam chegou, mas esqueceu de trazer a piscina, então ligou pro André pra ele trazer até Sousas e foi buscar lá.

Me parecia que já tinha se passado um tempão, já era dia e eu pensei, toda inflada dentro de mim: “Ah, é isso que é o trabalho de parto? Dói mas é tranqüilo, olha como eu tô ótima, to inteirona, vai acabar daqui a pouco e eu nem vou estar cansada... porque as mulheres dizem que ficam tão exaustas?” Ra Ra rá. Doce ilusão. Mal sabia eu que tudo isso era só o período de latência e que o trabalho de parto ativo nem tinha começado ainda e que no final eu realmente estaria “acabadassa”...! 

Era engraçado quando a Lucia falava: “Isso, Cintíssima” ! eu achava graça porque me parecia “santíssima” ou “uma Cintia grande” e isso me dava uma super coragem, sentia que tava fazendo tudo certo, que tava no caminho certo... me sentia grande. E ela nunca tinha me chamado assim, mas nesse dia, me chamou assim várias vezes, o que foi muito legal.
Ainda na sala, onde começou a jornada, que depois se expandiu pela casa toda, a Lucia me perguntou:

-Você faz OM na yoga?
-Sim.
-Então vamos fazer.

E aí a gente incorporou o “OM” naquela respiração que eu fazia e foi incrível o resultado, eu sentia tudo se abrir em mim, parece que potencializou a minha respiração, passei a acreditar, porque agora sentia em meu corpo, que realmente essa palavra “AUM” é DEUS em forma de som. E também usei isso praticamente o trabalho inteiro. (Quando a dor era muito intensa, batia o desespero e eu me perdia da respiração, gritava:

- Mau, me ajuda, me ajuda!
e ele perguntava:
-O que eu faço?
-Respira comigo, respira!
E aí meu maridão, que acho que nunca pensou em fazer “AUM” na vida, começava: “OM...”
E assim eu conseguia retomar o rítimo e a concentração. A Lucia também respirava comigo.

Chegou a Ana Cris. Descarregou suas coisas. Lembro de ver um tubão de oxigênio sobre o sofá. Foi então fazer um exame de toque. Fez algum comentário que eu falei: “Então, não vai sair já?” (eu já estava há mais de oito horas com contrações, já que a parteira chegou, achei que já fosse nascer!) Ela deu uma risada e falou: “Vai sair, mas ainda tem um chãozinho...”  E saiu de perto. Continuei o trabalho com a Lucia.
A Ana Cris não me disse, pra não me desanimar, mas ao tocar ela viu que eu ainda não tava com quase nada de dilatação, um dedinho no máximo,  o colo já tava fino mas ela achou que sem  sinal ainda  de proximidade do parto.
Chegou a Maryam pela segunda vez, trazendo a piscina. Como a Ana Cris já tinha chegado com a dela, a Maryam resolveu inflar a que ela trouxe pra brincar com a Laila. Colocou  lá fora, na grama e ficaram brincando sem água, com os fantoches lá dentro. 

Eu tinha o desejo que o parto fosse preferencialmente no “quarto do balaio”,  porque é o lugar que eu faço yoga, rezo, brinco com a Lalá, um cantinho especial da casa, mas a Ana Cris achou melhor montar a piscina no nosso quarto, por ter um banheiro pertinho, o que facilitaria  puxar a água pra encher e esvaziar a piscina  e eu já estaria ao lado da cama, seria fácil passar da piscina pra cama depois de parir. Achei que tudo bem e assim foi feito e realmente facilitou bastante as coisas. A gente tem uma idéia inicial, um plano de parto, mas é importante não se apegar rigidamente ele, deixar fluir na hora como tiver que ser.

Depois que a Ana Cris me examinou disse: Pra entrar na piscina tá cedo ainda, mas pode ir pro chuveiro. Fui, com o Mauro me acompanhando. Ela achou que eu me tranqüilizei muito no água, então resolveu liberar já a piscina se eu quisesse entrar, mas eu sentia que ainda não era o momento. Foi lá no banheiro e me falou:

- Eu preciso fazer uma visita de pós-parto, aqui na região, vou agora, assim volto e já fico só por sua conta. Se quiser já pode entrar na piscina.
- Tá bom. - O que eu ia falar? Eu preferia que ela ficasse comigo, mas achei que ela fosse no San Conrado, algum lugar próximo e voltasse logo, então falei “tudo bem.” (Só que pras outras pessoas, a Ana Cris disse  :“ainda vai demorar, na melhor das hipóteses nasce de madrugada, vamos ter que virar a noite, dormi muito pouco essa noite, então vou dormir pra agüentar a noitada.” E foi pra Barão Geraldo.)  

Fiquei um pouco no chuveiro e senti vontade de caminhar lá fora. Veio a lembrança da Melissa, que teve seu terceiro filho em casa, também mora em chácara e disse que passou a maior parte do trabalho de parto na área externa, ouvindo o cri cri dos grilos... então pensei: “Tá um dia lindo, eu quero andar”.      Acho que precisei de um pit stop no quarto, meus pés formigavam, minha mãe massageava um, a Maryam outro, o Mauro revezava com ela, a Lucia também. Lembrei-me da minha terapeuta Lunalva, que de uma forma muito amorosa me acompanhou durante todo o processo da gestação, dando a maior força, me ouvindo, ajudando a clarear meus sentimentos e pedi pra ligarem pra ela, avisando o que estava acontecendo. Logo a Maryam voltou dizendo que tinha falado com a Lunalva e ela respondeu que não iria trabalhar agora e assim ficaria toda a  manhã “pensando” em mim. Foi uma delícia ouvir isso. Eu sabia que além das pessoas queridas que estavam lá comigo, muitas outras vibravam junto. A sensação era de que o Universo inteiro, tudo tinha parado e só ali, aquilo que vivíamos existia e tudo ao redor fazia parte dessa mesma experiência. 

Retomado o fôlego, lá fomos nós pra fora. Saí pela porta da cozinha e parei no pé de jasmim-manga. Tava lindo, florido, perfumado... muitas flores caídas na grama também, formando aquele tapete cheiroso. Comecei a me dependurar nos seus galhos durante as contrações. Eu “tava me achando”... me sentindo a própria Jane, do Tarzan, pensando: “nossa, aqui daria umas fotos lindas”,  aí o Mauro que tinha saído de perto um minutinho, voltou e falou pra não me dependurar ali, que aqueles galhos são leitosos e ocos, que ia quebrar comigo... pra segurar mais perto do tronco! Peguei nos galhos mais grossos e passei a me apoiar de novo no Mauro. Tinha um solzinho gostoso, as árvores todas verdinhas, eu tava tão feliz e emocionada, nem acreditava que estava podendo parir em liberdade, em meio a tanto amor e respeito. Então nós nos beijamos e abraçamos. Ele carinhosamente afrouxou um pouco o nó que prendia a minha bata. Continuamos andando. Minha mãe as vezes se juntava a nós, eu parecia uma princesa com seu séquito...Passamos pela Laila brincando com a Maryam e os fantoches, debaixo do Flamboyant. Estava tudo bem, tudo exatamente como deveria ser. Esse era o meu sentimento e me enchia de coragem. Mas as vezes também me assaltava uma dúvida “será que vou conseguir?” e aí vinha um medo... tudo ia se alternando, confiança e medo... agora nem sei mais a ordem dos acontecimentos, o que veio antes ou depois, porque entrei do meu jeito na “partolândia”: Eu tinha o tempo todo consciência do meu corpo, indicava onde e de que jeito as pessoas podiam me apertar, segurar, ajudar, mas ao mesmo tempo viajava muito internamente... 

De manhãzinha o Mauro tinha ligado pra Marie, minha professora de yoga, pra avisar que eu entrara em trabalho de parto e não iria pra aula. Mais tarde ela ligou perguntando se eu queria que ela viesse e eu disse que sim. (Eu tinha começado a fazer yoga com ela em outubro de 2009 e em fevereiro de 20010 já engravidei. E a Marie me acompanhou com muita delicadeza e competência e de uma forma muito amiga, me “paparicando” desde o início da gravidez, quando ninguém ainda me tratava como grávida, porque a barriga ainda não aparecia, mas ela já personalizava as minhas aulas. Tenho certeza que a forma como eu pude parir, como estava meu corpo e minha mente e até o fato de no final não ter tido nenhuma laceração no períneo, tudo isso se deve MUITO à prática do yoga. Assim, a sua presença fazia muito sentido). 

De vez em quando eu sentia as mãos da Maryam me massageando. E também da Lucia, que esteve comigo do início até o finzinho, segurou o maior rojão! E ainda se  lembrou de tirar fotos e filmar!

Conforme caminhávamos lá fora, o rítmo das contrações ia aumentando. Eu me abaixava, me torcia, girava e sussurava: “Me ajuda Baba, me ajuda...” De vez em quando eu me lembrava de visualizar sua imagem, seus cabelos negros e assim sentia que relaxava e me abria um pouco mais. Sabia que ele estava ali comigo o tempo todo, mas as vezes  esquecia disso e me dispersava e assim a dor aumentava. As vezes eu me irritava com a dor e o desconforto e respirava “errado”, sem acompanhar o caminho do ar e aí claro, doía muito mais. Sempre que isso acontecia a Lucia me dava “umas duras”: 

- Assim não adianta nada, você só se cansa, pra baixo Cintia, empurra o ar pra baixo! - Como é que ela percebia sem eu dizer nada? Existia uma comunicação ali muito maior que a das palavras. Assim também quando eu deixava sair  algum som que ia liberando o ar, ela dizia: 

- Gostei desse, isso!

Então num desses momentos de dor e desânimo, a Lucia disse:
- Tem um lado seu, em que você ainda é uma menininha com  medo de crescer... 

E era exatamente isso. Toda vez que a Cintia menininha assustada aparecia, o trabalho se travava, porque era como se eu quisesse que alguém o fizesse por mim. Eu resmungava, reclamava que tava difícil. Então a Cintia mulher  de novo se responsabilizava pela ação de parir e o trabalho continuava a fluir... e isso ia e vinha em ondas, como as contrações.

Num momento a minha mãe, que nos acompanhava (nessa hora só estavam a Lucia, minha mãe e eu), não agüentando mais, disse num “estouro”:

- “Eu to aqui rezando pra Nossa Senhora do Bom Parto e você por que não pede pra ela também? Pára de pedir pro Sai Baba, que ele nunca teve filho, pede pra nossa senhora do parto! – Essa fala me atingiu em cheio. Com muita raiva, tendo contrações, eu agitava as mãos e gritava pra ela:
- Fica quieta mãe, fica quieta!
 A Lucia com voz calma e moderada disse:
- Por que não faz assim, a senhora pede pra Nossa Senhora e a Cintia pede pra Sai Baba, e pronto, todo mundo ajuda.

Eu continuei sussurrando “Baba...” e minha mãe se afastou. Nessa hora eu entendi tudo. E quando digo entendi, não é só com a cabeça, mas com o corpo todo, nos ossos, nas vísceras. Percebi a menininha que quer agradar, ser boa filha, não decepcionar, não ser sempre um E.T, tão diferente de todo mundo, não quer parecer uma religiosa bitolada... e aí bum, aconteceu, SENTI  assim: “DANE-SE TUDO. EU SOU QUEM EU SOU.” E então comecei a soltar uns barulhos de bicho, uns urros, parecido com o som de uma ursa selvagem. (Acho que era a mulher selvagem acordando de um looooooooooooonga soneca). 

A Lucia falou:
- Gostei desse som! - E eu pensava e “viajava” dentro de mim: “Essa sou eu, essa é a minha devoção. Se não agrada me desculpe. NÃO TEM MAIS IMPORTÂNCIA.” - Vieram a Maryam e o Mauro e eu pedi pra ela pegar vibooth, passar na minha barriga e entre as minhas sobrancelhas, na testa. E dentro de mim eu repetia explodindo: “Baba, eu te amo, eu te amo, sou tua e nunca mais vou te esquecer. Me toma, coloco a minha vida a teu serviço.” E lembrava daquele poema belíssimo da Bíblia, o cântico dos cânticos, assim como as gopis com Krishina, o êxtase religioso, que parece um encontro entre amantes e agora tudo fazia sentido. E eu me afirmava em mim mesma  E ME ABRIA...
Fé, certeza de que tudo corria bem, cansaço e medo de não dar conta, se alternavam. Acho que na maioria das vezes eu acreditava que estava tudo perfeito e me enchia de paz. Mas algumas vezes tinha vontade de desistir, aí a 

Lucia percebia e falava:
- Não desista, não desista, você está conseguindo, é assim mesmo. Ou no pico da dor, eu soltava um gemido e ela dizia:
- Abençoada contração, que vem trazendo seu filho pra mais perto de você, logo ele estará em teus braços.
 
E eu repetia:
- Abençoada contração, abençoada contração...

Algumas vezes o Mauro também falava: “Tá tudo bem. Não se preocupe com o tempo, se está demorando ou não, tá tudo certo.”
Senti falta da Ana Cris que não voltava e bateu uma tristeza, acho que o sentimento era: “Por que você não está aqui? Porque não acreditou que eu iria parir e ficou aqui comigo? Por que foi embora?” (Agora escrevendo, a associação que me vem é com a ausência do meu pai, que foi embora de casa quando meus pais se separaram. No livro “Quando o corpo consente”, Therese conta que no parto teve que entrar em contato com a grande dor que sentiu quando seu pai foi assassinado e que ficara guardada em seu corpo. Cada uma de nós tem suas dores e parece que esse é mesmo um momento de “tirar do armário”, Sacudir a poeira, pra que se faça uma limpeza na alma... fico então imaginando se a nossa sociedade não teria criado essa cultura de cesáreas pra se proteger, não só da dor física, mas principalmente dessa outra dor, a das emoções guardadas e cheirando a mofo...) Comecei a chorar e falar em voz alta:
- Ana Cris, por que você não tá aqui? Aaaaaaai!

 A Lucia me perguntou:
- Você quer que a gente a chame?

Eu assenti e ela disse: “Vamos dar só mais uma horinha pra ela e a gente já liga, tá?” – E longe de mim, de tempos em tempos a Maryam tentava ligar no celular da Ana Cris que só dava caixa postal. Essa ausência me paralisou por alguns minutos, mas em seguida eu me esqueci completamente dela. Todas as pessoas que estavam em casa, estavam realmente vivendo aquela experiência com tamanha inteireza, ternura e cuidado comigo, que eu me esqueci da parteira. Voltei a me concentrar no trabalho que tinha que realizar e sinceramente, só fui me lembrar dela novamente depois que a Ísis já tinha nascido.

A Marie chegou e já foi vendo o que precisava ser feito, como poderia ajudar. A Lucia me perguntou se eu não queria entrar na piscina e respondi que sim. Senti que era a hora. O Mauro queria ir amarrar a mangueira pra puxar a água do chuveiro pra piscina, que a Ana Cris já tinha deixado inflada e coberta com a lona no quarto. 
Eu não deixava mais o Mauro se afastar de mim por nada, então a Marie foi e fez esse trabalho de conectar a mangueira mais grossa ao chuveiro, mas mesmo assim a vazão não foi suficiente pra encher rápido e entrou todo mundo, Lucia, Marie, Maryam e Eliane na dança dos baldes! E foram MUITOS baldes. A Laila então colocou a bonequinha dela pra nadar lá dentro! (Depois a Ana Cris contou que a Laila ficou muito brava quando ela cobriu a piscina, toda lindinha, cheia de peixinhos coloridos, com aquela lona preta, horrorosa!)
De manhã, ao me examinar, a Ana Cris tinha me perguntado se eu já tinha feito cocô, eu respondi que sim e ela disse: “Ainda tem mais um pouco pra sair”. Então antes de entrar na piscina eu quis ir até o banheiro pra ver se conseguia defecar. Sentei um pouquinho na privada e não consegui fazer nada, não quis ficar lá. A Marie me ajudou a sair do banheiro, e entrar na piscina. Pensei: “Tudo bem, faço o que tiver que fazer na água mesmo.” (Já tinha até uma peneirinha separada pro caso de eu defecar na água, recolherem as fezes, mas eu não fiz nada, fui fazer cocô de novo dois dias depois...)

Foi bom entrar na água quente, as contrações estavam cada vez mais intensas e continuaram aumentando (ainda bem, porque se parassem eu teria que sair da água). Em algum momento a Laila veio e pediu pra entrar na piscina com a gente e eu falei que poderia, depois que o nenê nascesse. E ela foi brincar lá fora. Nos intervalos eu relaxava e soltava o corpo, caia sobre o Mauro que estava dentro da piscina, sentado e me amparava pelas costas. Cochilava de cansaço. Mas aí já vinha outra e eu tinha que me erguer rapidinho. Não podia com o meu peso, então o Mauro e Lucia me erguiam, eu ficava de joelhos pra conseguir me concentrar e eles apertavam a ponta dos ossos da minha bacia, cada um de um lado, o que parecia ajudar muito. E aliviava a dor também. Eu debruçava na borda da piscina, que eu pedi pra forrar com uma toalha, porque a lona tava machucando meus seios e segurava nas mãos da Maryam. Nunca senti tanta dor na minha vida. Mas só sei disso porque escrevi essa frase logo após o nascimento. Agora eu não consigo lembrar da dor no meu corpo, não ficou nenhum registro dela, nadinha, só a lembrança dos momentos bons.
Teve uma hora em que ouvi a Laila brincando lá fora, sua risada e isso me encheu de coragem e emoção, felicidade, tudo junto. Estava tudo acontecendo de uma forma maravilhosa. E daqui a pouco seria mais um dando essa risadinha gostosa e correndo pela grama a fora.

Num outro momento o cansaço era tão grande que “eu não queria mais brincar disso”. E era um tal de senta e levanta... (me soltava em cima do Mau e ele me segurava por trás).  

Lembro de uma vez pedir irritada, ajuda pro Baba, mas daquele jeito de menina, como quem diz: “Tá muito difícil, faz pra mim!!!” e o vi sorrindo tranquilamente e ele me disse: “eu estou aqui. Mas quem tem que fazer o trabalho é você.”
E eu resmunguei: “Put´s grila, eu não sabia que doía tanto assim...” e nessa hora eu nem lembrava mais porque tava ali passando por aquilo, fazendo aquela loucura! Pensei: “Se eu estivesse no hospital, já teria pedido anestesia umas três vezes! Ai, eu quero uma cesárea...” e no segundo seguinte, após o pico da dor, já tava feliz de estar ali. Aí vinha a contração e pensava: “eu lembro que eu tinha um ótimo motivo pra querer isso tudo, qual era mesmo?” Passava a dor e eu respirava aliviada por estar em casa, “que bom que não fui pro hospital, lá eu não agüentaria essa dor...” 

Aí a Lucia falou: “Você achou que ia ser fácil? Isso é um rito de iniciação, não podia ser fácil...” e começou a falar umas estatísticas, de quantas mulheres que tem parto assim, que é uma minoria porque poucos encaram o desafio e quantas % tem cesárea... Achei uma chatice ouvir  essas porcentagens nessa hora, mas funcionou a fala dela, as palavras “rito de iniciação” ativaram alguma coisa dentro de mim: me lembrei tudo de novo no meu corpo, do que eu tava fazendo ali. A cabeça estava atordoada e confusa, mas o corpo todo sabia o que fazer e o sentido daquilo tudo. Começou a me dar uma vontade de fazer força, achei que finalmente ia fazer cocô, mas não saiu nada. A Lucia percebeu e falou: “Você já tá com vontade de fazer força? Se estiver, agora não tem certo nem errado, pode fazer o que tiver vontade”. Adorei ouvir aquilo. E ela falou pra Maryam:”Liga de novo pra Ana Cris e diz que se ela não correr não vai dar tempo de chegar, que ela já tá sentindo o puxo.” Foi bom ouvir isso também. E aí eu pensei: “Ah, é? Então tá, vamos acabar logo com isso. Tem gente que tem dificuldade que o filho saia da barriga, de deixá-lo ir pro mundo e trava nessa hora. Esse não é o meu problema. Eu quero que você saia. Vem meu filho, vem”. E comecei a falar alto:

- Sai agora! - O Mauro achou que era com ele e tirou a mão do meu osso, eu : “NÃO, eu não to falando com você, é com ele! Põe a mão!” E continuava: “Sai, vem pra fora meu filho, vem!” E aí quando vinha a contração eu dava um grito bem alto e agudo, que eu nunca tinha escutado, parecia sair lá do fundo das minhas entranhas. Reuni o restinho das minhas forças, todas concentradas e veio o puxo. Pensei: “Eu vou me rasgar inteira, mas não quero nem saber, agora vai com tudo!” Em 3 forças, ela nasceu. Na segunda, fez um “ploc” ! (que depois a Ana Paula explicou que era a bolsa se rompendo) e na terceira, ela veio. Ardeu tudo e continuou queimando mesmo um pouco depois, debaixo d´água, era uma sensação estranha, é o chamado “círculo de fogo”.l. O Mauro instintivamente a pegou. A Lucia tirou a circular de cordão que envolvia seu pescoçinho, como se tirasse um colar, retirou-a da água e a virou de boca pra baixo, ela expeliu um pouco de líquido. Ouvi um choro alto e forte, eles falavam “nasceu, nasceu!” mas eu ainda não estava acreditando que ela já tinha nascido, que eu tinha parido, tava meio “anestesiada”, sem anestesia!
Ela foi embrulhada numa toalha e minha mãe  ficava  jogando água para manter a sua temperatura corporal.

Sei lá porque, a Maryam achou que fosse um menino e falou: “É um menino!” e eu disse: “eu sempre soube que era um menino...!” O Mauro estranhou, porque não tinha visto nada que lembrasse um menino, mas achou melhor olhar  de novo direito mais tarde. Eu estava ajoelhada e de costas, então a Lucia pediu pra Maryam me ajudar a passar a perna por cima do cordão umbilical que estava esticado, pra eu me virar. Fizemos isso. 

O Mauro lembrou que eu queria saber o  horário exato do nascimento e pediu: “Alguém vê as horas...” A Maryam viu que eram 13h43 e falou: “Acho que faz uns 6 minutos que ele nasceu, né?” E então nós registramos, 13h37. Ela foi até a cozinha e anotou: “Nascimento do Luan, 13h37”. A Eliane entrou no quarto e viu o Mauro segurando o filhotinho e chorando... achou “lindo, um homem ali se desmanchando todo de amor por sua cria! Vieram a Laila e a minha mãe, muito emocionada, com os olhos vermelhos), perguntei se a Laila queria entrar na piscina com a gente, ela não quis.

A Maryam segurou o bebê um pouco pro Mauro me ajudar a me sentar melhor, depois ela me perguntou:

- Você não quer pegar?

Terra chamando, existe um bebê recém parido a ser acnchegado

- Quero!- Tomei-a nos braços, ela deu um chorinho, eu a embalei cantando uma canção de ninar, enquanto o Mauro fussava por debaixo da toalha e disse: “é menina! É a Ísis, não é o Luan.” Achei engraçado, eu estava tão certa de ser um menino! E a Laila ficou achando o máximo que só ela acertou que era uma irmãzinha...                   
                             
Pedi pra Maryam pegar o potinho com vibooth e passar um pouquinho na testinha da Ísis, no  seu “terceiro olho”. Eu a abençoei e pedi também a Deus que a abençoasse e enchesse seu coração de amor. Perguntei pra minha mãe se ela também queria pegá-la pra abençoá-la do jeito dela, com o sinal da cruz, ela disse “ depois, depois vou ter muito tempo pra isso... (acho que ela não tinha coragem de tirá-la já do meu colo).

Me ajeitei com o cordão umbilical e ofereci o peito. Logo ela pegou.
 A Maryam ligou pra Ana Cris de novo, avisando que já tinha nascido, ela e a  Ana Paula,  estavam juntas, “já”  em Sousas.

Uns 30 ou 40 minutos depois do nascimento, chegaram a Ana Cris e Ana Paula. A Ana Paula falou: “Nossa, que parto limpinho!” Realmente, nem na piscina a gente não via sangue (por isso eu quis a lona preta, pra caso sangrasse muito, não aparecer e a Laila não ficar impressionada. A Betina tinha me mandado comprar meia dúzia de panos de chão, lavá-los antes pra tirar a goma e eles enxugarem melhor, pensei que fosse ser igual filme de terror, sangue pra tudo quanto é lado...não precisamos usar nenhum, melhor assim).
Todos nós ficamos surpresos com a vivacidade dela logo ao nascer, seus olhinhos mexendo pra lá e prá cá, pareciam já olhar tudo! E a Ana Paula disse que por eu não ter tomado anestesia (que a mãe toma e passa pro bebê) ela estava assim tão espertinha, que legal!

Eu tava sentindo um desconforto naquela posição e também com as contrações que preparavam a expulsão da placenta e pedi: “Não dá pra cortar já o cordão?”Sim, ele já parou de pulsar.”, uma das duas respondeu. A Ana Cris clampeou o cordão  e o Mauro o cortou. Então a Ana Cris me ajudou a sentar na cama. A Lucia lembrou de tirar fotos.  

Pedi então pra Ana Cris tirar a placenta. Ela examinou e falou: “Já tá soltinha”. E tirou-a, acho que ela foi puxando pelo próprio cordão umbilical. Colocou dentro de um saco plástico e alguém a colocou no freezer pra congelar até conseguirmos plantá-la. (A Ísis tá com quase três meses  e ainda não tivemos fôlego pra fazer isso, mas sei que quero plantar uma muda de Calabura, que é uma frutinha bem gostosinha, que a minha vó Elisa adorava, em homenagem à ela. O Mauro fez uma mudinha a partir de uma semente, estamos esperando ela ficar bem  forte pra plantá-la e crescer junto com a Ísis.)
A Ana Cris disse que meu períneo estava intacto! Nenhuma laceração, não é DEMAIS?! Só um pequeno cortinho superficial, que ela não precisou nem dar pontos. Por uma semana ardia na hora de fazer xixi. Eu fiz banho de acento com tintura de Arnica, que a Ana Cris tinha recomendado já no kit do parto domiciliar e só!

A Ana Paula examinou a nossa querida recém chegada e disse que estava tudo ótimo, pesou-a: 2.955g. Deixou pra medir no dia seguinte, quando ela voltaria pra visita de pós parto, assim não ficaria esticando ela agora. Apgar (da primeira meia hora...!) 10 e 10. Graças a Deus, tudo em ordem. Que presentão dos céus pra todos nós! Só faltou a Camila, irmã mais velha da Ísis. E UFA! Acho que acabei. Faz três meses que escrevo esse relato. E quando o faço, ainda sinto “o barato” do parto. Foi lindo demais. Faria tudo de novo, sem dúvida.

Mamãe Cintia. Fev/2011


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